Filme goiano de terror Guará traz reflexão sobre massacre de bandeirantes. A obra, de 2019, mostra uma espécie de lobisomem (mas híbrido com lobo-guará) fazendo uma chacina no centro de Goiânia, próximo a estátua do bandeirante Bartolomeu Gomes da Silva – inclusive, na descrição do filme no Vimeo lê-se: “No cerrado habitam lobos-guarás e bandeirantes.”
Destaca-se, o monumento, que foi erguido há quase 80 anos, nas Avenidas Goiás e Anhanguera, voltou a pauta após após o incêndio da estátua de Borba Gato, em São Paulo (considerado justiça por alguns e terrorismo por outros).
O professor de história José Luciano, ao Mais Goiás, afirmou que ela representa “como o modelo racista e excludente de nossa sociedade triunfou”. Segundo ele, além da exploração dos territórios, “as bandeiras também foram responsáveis por outras heranças deixadas aos brasileiros, a herança de massacres indígenas, vistos como seres humanos de segunda classe – ainda hoje em dia. Contribuíram para o controle de coronéis sobre os escravos fugidos, auxiliavam na destruição de quilombos. Invadiam terras indígenas em busca de ouro e outros minérios, estupravam e matavam, e tudo com o auxílio da coroa portuguesa”. Bartolomeu se enquadra na descrição, garante Luciano.
Guará
Luciano Evangelista e Fabrício Cordeiro são os diretores e roteiristas de Guará – o monstro é interpretado por Rodrigo Cunha. A obra foi lançada em 2019, na Mostra de Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais.
Ela foi exibida em diversos outros festivais, dentre eles: o Cine PE, em Recife, Pernambuco; o Goiânia Mostra Curtas, em Goiânia Goiás; e a Mostra Sesc de Cinema, em Paraty (RJ). Pelo Sesc, o filme passou por todas as capitais do País e hoje segue na internet: https://vimeo.com/296741994.
Segundo Luciano, a ideia era um filme de lobisomem em Goiás, mas que interagisse com o cenário de Goiânia e as questões históricas, remetendo ao Guará do cerrado. “O Bandeirante surge no fim do filme. Para o monstro, o monumento é só mais uma estátua que está em posição de poder e que ele sobe nela. As relações que dá para estabelecer entre as duas figuras fica livre para a dedução, mas existe o confronto e tirar uma conclusão disso.”
O diretor cita que se trata de uma estátua polêmica, que remete a violência, e existe um monstro violento que entra em contato com o monumento. “A ideia é que a pessoa pense sobre aquela estátua. Muitas vezes, quando passamos, não questionamos sobre o monumento.” De acordo com ele, apesar da liberdade, é suscitar a fagulha de questionamento. “Mostrar o que queremos exaltar da nossa cultura.”
Ele também aponta que o filme é mais uma intervenção na estátua, como os grafites e outras coisas. “Por fim, eu e o Fabrício esperamos que as pessoas se divirtam com o filme. Que o filme possa trazer reflexões. O intuito, no fim, é que seja um filme bom. Que não tenha uma ideia clara. Mas tudo que se filma é político.”
Lei
O monumento, destaca-se, pode estar com os dias contados – e não é pelas discussões que têm crescido nas redes sociais após o incêndio da estátua de Borba Gato, em São Paulo (considerado justiça por alguns e terrorismo por outros).Tramita na Câmara Federal o projeto de lei (PL) 5296/20, dos deputados Talíria Petrone (PSOL-RJ), Áurea Carolina (PSOL-MG) e Orlando Silva (PCdoB-SP).
O texto proíbe no Brasil o uso de monumentos, como estátuas, totens, praças e bustos, para homenagear personagens da história ligados à escravidão de negros e indígenas. “Consideram-se personagens escravocratas da história do Brasil aqueles que foram proprietários de escravos, traficantes de escravos, autores do racismo científico ou pensadores que defenderam e legitimaram a escravidão”, explica trecho da lei.
E completa: “Os monumentos públicos que já prestam homenagem a escravocratas ou a eventos históricos ligados a prática escravagista devem ser retirados de vias públicas, praças e armazenados nos museus federais, estaduais ou municipais, para fins de preservação do patrimônio histórico.”
Francisco Costa
Do Mais Goiás