Com a colaboração de Igor Caldas
Um projeto de decreto legislativo (PDL) do deputado federal goiano Delegado Waldir (PSL), se aprovado, vai reduzir a área de proteção do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros em 73%. O texto, que será avaliado em plenário da Câmara, susta o decreto que devolveu ao local um trecho de sua área original.
Segundo a ementa, o PDL 338/21 “susta o Decreto de 05 de junho de 2017 (Dsn 14.471), da Presidência da República, que amplia o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, localizado nos Municípios de Alto Paraíso de Goiás, Cavalcante, Nova Roma, Teresina de Goiás e São João da Aliança, Estado de Goiás”.
O texto, de 2 de agosto, justifica que o decreto a ser sustado aumentou de 65 mil para 240 mil o número de hectares da área de preservação. “Apesar de o Parque contribuir com a preservação ambiental, ressalta-se que o aumento desmedido de seu tamanho prejudica os agricultores da região”, diz trecho da matéria.
E ainda: “Ao ampliar demasiadamente a área, entendemos que o Presidente da República exorbitou de seu Poder Regulamentar, em virtude do aumento da área quase quatro vezes maior que os limites anteriormente estabelecidos.”
Segundo ele, à época do decreto – assinado pelo então presidente Michel Temer (MDB) –, Goiás fez contraproposta, mas não teve sucesso. “É dever do Poder Público assegurar a preservação do meio ambiente, entretanto, não é proporcional deixar centenas de famílias sem suas pequenas propriedades, de onde retiram seu sustento”, relatou Waldir, no texto do PDL.
Sobre a Chapada dos Veadeiros
Julio Itacaramby é diretor da Associação de Amigos do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Ave), além de tecnólogo em gestão ambiental e advogado. Segundo ele, a justificativa que depende o pequeno produtor não procede.
Ele explica que o parque foi ampliado em áreas de vegetação nativa. “Quem estava eram posseiros em áreas devolutas, com relevo acidentado e sem perspectivas, pois eram locais inaptos para agricultura. Não foram os ambientalistas, mas o próprio relevo que defendeu a ampliação da área”, argumenta.
Ainda segundo ele, onde se podia ter agricultura “já passaram o trator”. Ele reforça, também, que a visitação do local cresceu 200% nos últimos dez anos. “Um pequeno agricultor em uma terra imprópria não teria a mesma chance de prosperar do que trabalhando ecoturismo. Então, é equivocado dizer que atrapalha o desenvolvimento”, expôs.
Impacto da redução
Questionado sobre a redução, Julio afirma que o impacto na conservação da biodiversidade é tremendo. Segundo ele, mede-se a conservação pela possibilidade de criar habitats para espécies no topo da cadeia alimentar. “Por exemplo: a presença de uma onça pintado no cerrado significa que ela tem condição de manter todo um ciclo, que toda a cadeia abaixo dela existe ali”, exemplificou.
De acordo com ele, os 65 mil hectares – de antes de 2017 – não eram suficientes para garantir a representatividade dessa mostra de cerrado, que é única. “Os 240 mil sim. Existem muitas espécies que só vivem nesse local, por causa da altitude (1.676 ponto mais alto do Planalto central). Além disso, estar em pontos altos é estratégico para os recursos hídricos e proteção das nascentes.”
0197da8f julio - Mais Goiás
Julio Itacaramby é diretor da Associação de Amigos do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Ave) (Foto: Reprodução/Facebook)
Cerrado
A Chapada é cerrado. E o cerrado é a Chapada. Doutora em Geografia e docente na Universidade Federal de Goiás (UFG), Karla Faria realiza pesquisas com ênfase em Geoecologia, Planejamento Ambiental, Geoprocessamento e mais, além de representar a UFG em Conselhos Consultivos de Unidades de Conservação no estado de Goiás.
Ela afirma que o cerrado é um centro de biodiversidade mundial. “Ele garante serviços ecossistêmicos que todos nós utilizamos. Produção de água é um deles: água para a cidade e para as atividades agrícolas. Já está mais que comprovado que a manutenção da vegetação nativa do cerrado em áreas estratégicas é importante para a recarga hídrica.”
A professora lembra que, neste ano, discutimos a crise hídrica e a associação é sempre a redução de chuvas. Ela faz um link e ressalta que a ocorrência de precipitações está vinculada a um ciclo hidrológico que depende da vegetação. “Se amplia os desmatamentos, ou mantém as taxas elevadas como as atuais, como acontece no cerrado, o resultado é sentido por todos. Garantir a conservação e preservação do cerrado nas Unidades de Conservação é buscar a manutenção de serviços ecossistêmicos.”
Para ela, podem haver interesses por trás em projetos de redução da área da Chapada dos Veadeiros, como especulação, reserva de mercado para várias atividades, dentre elas, a mineração. “A área, no entanto, é frágil para explorações intensivas. A prestação de serviços ecossistêmicos como a conservação e preservação do ambiente deveriam ser suficientes para a nossa sociedade. Afinal, há produção de água, um recurso tão caro e tão necessário para a sobrevivência da cidade e do campo.”
Enquete da Câmara Federal
Enquete da Câmara Federal, nesta tarde de quinta-feira, mostrava que 99% das pessoas que votaram eram contrárias ao PDL. Em números totais, 6.413 clicaram em “discordo totalmente” do projeto.
A pesquisa também informava que 1% (77) concorda totalmente; 0% (5) concorda em parte ou está indeciso; e 0% (10) discorda na maior parte.
Entre os comentários, uma internauta escreveu: “Goiás já tem terra o suficiente para o agronegócio. O Cerrado precisa ser preservado.”
“A chapada é a nascente de todas as águas do Brasil. Temos que proteger”, escreveu outro.
Moção de defesa
Nesta quinta-feira (12), o deputado estadual Antônio Gomide (PT) apresentou na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) uma moção de solidariedade em defesa da Chapada dos Veadeiros e pela manutenção dos 240 mil hectares do parque.
“Justifica-se a presente Moção de Solidariedade tendo em vista projeto na Câmara dos Deputados que retira 175 mil hectares do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. O parque foi eleito esse ano o melhor do Brasil, o 25º melhor do mundo pelo Tripadvisor e Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco em 2001.”
Ainda no texto, o deputado afirma que conta, também, com a posição contrária da “Associação de Amigos do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Ave) e as 6 (seis) mil manifestações populares discordantes na enquete do respectivo projeto na Câmara de Deputados (99%) – apenas dez dias após a apresentação da propositura”. Segundo ele, isso mostra o apelo da população pela permanência da atual área e proteção do bioma.
O Mais Goiás também procurou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para comentar o assunto. O mesmo informou que não há tramitação sobre tema com eles.
Destaca-se, o ICMBio é uma autarquia em regime especial vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e integrada ao Sistema Nacional do Meio Ambiente. Ele é responsável por fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade, bem como exercer o poder de polícia ambiental.
Chapada dos Veadeiros
Originalmente, o parque foi criado em 1961 pelo presidente Juscelino Kubitschek. À época, a área era de 625 mil hectares. Depois de duas reduções, em 2017, ele teve uma pequena ampliação, chegando a 240 mil hectares.
O parque foi declarado Patrimônio Mundial Natural em 2001 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Segundo o site do ICMBio, “além da conservação da biodiversidade e geodiversidade, o Parque Nacional tem como objetivos a pesquisa científica, a educação ambiental e a visitação pública“.
Francisco Costa
Do Mais Goiás