O presidente russo Vladimir Putin levou as estrelas de seu arsenal de mísseis estratégicos para a demonstração de força que fez ao Ocidente neste sábado (19), ao lado do ditador aliado da Belarus, Aleksandr Lukachenko. Do centro de comando do Kremlin, o presidente russo ordenou o disparo de dois modelos de mísseis hipersônicos, mísseis balísticos, de cruzeiro e dois mísseis do tipo que seriam empregados numa guerra nuclear contra os Estados Unidos.
O exercício havia sido anunciado na véspera, como se fosse algo de rotina, mas rotina certamente não é. Segundo o analista militar Ivan Barabanov, não há lembrança de tantos disparos de modelos tão variados em uma só manobra —noves fora o seu “timing”.
Putin está no centro do embate com o Ocidente em torno de suas demandas para que a Otan (aliança militar ocidental) não se expanda, e tem a Ucrânia cercada por 150 mil soldados que, para o presidente dos EUA, Joe Biden, deverão invadir o país vizinho.
O russo nega a intenção, mas o agravamento da situação no leste ucraniano, ocupado por aliados do Kremlin, tem levantado as sobrancelhas dos mais céticos acerca de um confronto. Assim, o exercício serviu de lembre para os adversários acerca do potencial militar russo, que ganhou musculatura inaudita desde a Guerra Fria a partir da reforma do setor, iniciada após o quase vexame na guerra contra a minúscula Geórgia em 2008.
Hoje, como atesta a mais recente edição do “Balanço Militar”, publicação anual do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, além de potência nuclear, a Rússia tem uma sofisticada capacidade de promover ações rápidas no seu entorno estratégico mais imediato —a Europa, para começar.
“As tarefas previstas durante o exercício das forças estratégicas de dissuasão foram totalmente cumpridas, e todos os mísseis atingiram os alvos designados”, disse o Kremlin. Lukachenko, que sempre foi um aliado arisco de Putin, caiu sob sua órbita política após pedir ajuda a Moscou para reprimir os protestos contra sua reeleição fraudada em 2020.
Ele já tem 30 mil soldados russos em seu território fazendo manobras previstas para acabar no domingo (20). Ambos os líderes disseram, após encontro na sexta, que as tropas voltariam —mas não descartaram a permanência se assim acharem necessário, alimentado o temor ocidental de que está montada lá uma frente para atacar Kiev e o norte ucraniano.
Não foram divulgados números, mas a natureza dos mísseis empregados no exercício. Uma das estrelas é o Tsirkon, um míssil hipersônico lançado de navio, que provavelmente foi disparado da fragata em que é testado, a Almirante Gorchkov, da Frota do Norte, no Ártico. Ele tem capacidade de levar ogiva nuclear, mas sua função primária é ataque outras embarcações.
Armas hipersônicas voam a mais de cinco vezes a velocidade do som (6.174 km/h). O Tsirkon (zircão, em russo) vai a quase o dobro disso. China e até Coreia do Norte testam modelos do tipo, e os EUA por ora estão atrás da corrida dessas armas do futuro, que usualmente podem manobrar rumo ao alvo, liderada pela Rússia.
Outro modelo disparado, no caso de caças e bombardeiros, foi o Kinjal (punhal), que já está em operação com aviões MiG-31 e Tu-22M3. Ele pode usar ogivas nucleares menores ou convencionais, e chega a Mach 12 (12 vezes a velocidade do som, ou 14.700 km/h).
Significativamente para o momento atual, no campo de Kapustin Iar (Astrakhan, sudeste russo) foram lançados mísseis Iskander-M (defensor, na origem árabe da palavra), modelo balístico de curto alcance (500 km). Há várias baterias dele nos exercícios em Belarus, o que significa que Kiev estaria sob sua mira facilmente em caso de uma guerra.
Repetindo a performance que impressionou analistas ocidentais na guerra civil da Síria, os russos disseram ter disparado mísseis de cruzeiro Kalibr (calibre) de submarinos nos mares do Norte e Negro, palco das tensões com a Ucrânia.
Bombardeiros estratégicos de longo alcance Tu-95MS lançaram também esses mísseis de cruzeiro, que voam em velocidade subsônica manobrando pelo terreno, contra alvos em campos da península de Kamtchatka, no Extremo Oriente russo. Por fim, a cereja do bolo da tentativa de intimidar o Ocidente, foram lançados um míssil intercontinental Iars (acrônimo russo para foguete de dissuasão nuclear) e um Sineva (azul).
O primeiro foi disparado da base de Plesestk, na região ártica russa próxima da Finlândia. Ele voou cerca de 5.500 km em espaço aéreo russo e atingiu o campo de provas de Kura, em Kamtchatka. Já o Sineva é um míssil lançado por submarinos em operação na Marinha russa.
Ele foi disparado do submarino nuclear Karelina, da Frota do Norte, do mar de Barents —não muito distante do ponto do qual o Iars levantou voo. Também atingiu Kura. Os dois mísseis são desenhados para levar múltiplas ogivas nucleares a alvos em outros continentes.
Na sexta, Biden havia dito não acreditar que Putin “remotamente pensasse” em uma guerra nuclear. As cinco potências atômicas com assento no Conselho de Segurança da ONU, Rússia, EUA, China, Reino Unido e França assinaram recentemente um documento reafirmando que não iniciariam tal conflito.