A postura da Justiça Eleitoral no segundo turno e após o pleito é vista por pesquisadores como resultado da omissão do Ministério Público sobre a propagação de fake news no período.
Para especialistas em direito, a atuação do Judiciário foi adequada, apesar de alguns casos questionáveis. Parte deles avalia que houve censura prévia.
Do início da campanha, em agosto, até 6 de novembro, o Observatório da Desinformação Online nas Eleições de 2022 da FGV-SP identificou somente seis ações movidas pelo Ministério Público Eleitoral no pleito em relação à desinformação.
Isso aconteceu apesar de a legislação atribuir ao órgão o papel de representante legítimo contra informações inverídicas e/ou descontextualizadas veiculadas para prejudicar a credibilidade do processo eleitoral.
Três ações com base no dispositivo foram apresentadas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Outros delitos eleitorais motivaram dois processos no tribunal regional de Roraima e um no do Rio Grande do Norte.
A coleta automatizada com base em palavras-chaves feita pelo projeto da FGV identificou 427 ações sobre desinformação apresentadas à Justiça por partidos, coligações, federações e candidatos. O Ministério Público, portanto, foi o autor em apenas 1% dos casos.
“Houve uma omissão do Ministério Público Eleitoral, aquele que tem que ser o fiscal da lei, ir atrás do que está acontecendo e promover investigações. Olhando para a nossa base, essa participação foi muito pequena, e não sabemos ainda o motivo”, afirma o professor Alexandre Pacheco.
O pesquisador Antonio Bloch Belizario diz que, em 2018, o Ministério Público Eleitoral em Santa Catarina pediu, de forma espontânea, a retirada de posts que atacavam a confiabilidade das urnas eletrônicas.
Nas eleições deste ano, isso não aconteceu, apesar do forte discurso nas redes procurando minar a integridade do processo eleitoral, completa Belizario.
O observatório verificou 331 pedidos de remoção de conteúdos publicados em redes sociais e veículos de comunicação durante as eleições. Em 54% das ações, a retirada foi determinada pela Justiça Eleitoral; em 47% dos processos a solicitação foi negada.
Os pesquisadores afirmam que a taxa é considerada elevada, mas o mesmo padrão foi observado nas eleições de 2018. Uma comparação direta não é possível, contudo, pois os processos referentes ao pleito deste ano ainda estão sendo incluídos nos sistemas dos tribunais.
Reportagem da Folha mostrou que a PGE (Procuradoria-Geral Eleitoral) passou 70 dias da campanha sem apresentar questionamentos ao TSE sobre o uso de desinformação contra o processo eleitoral.
No dia 20 de outubro, a corte eleitoral aprovou por unanimidade uma resolução que permitiu ao tribunal determinar a remoção de conteúdos, em decisão fundamentada, sem a necessidade da atuação do Ministério Público.
“A criação do artigo 2º, que foi polêmica por permitir ao tribunal atuar mesmo não provocado, acabou sendo uma reação a esse vácuo deixado pelo Ministério Público Eleitoral”, afirma o professor Caio Mario Pereira Neto, do Observatório da FGV, para quem o TSE assumiu um papel de regulador do processo eleitoral.
Outros trechos da mesma resolução foram criticados.
Para Ivar Hartmann, professor associado do Insper, os artigos que deram ao TSE o poder de suspender perfis, contas ou canais em redes sociais e estabeleceu um prazo para monetizar conteúdos antes e após a votação são inconstitucionais. Ele diz que apenas legisladores poderiam estabelecer essas restrições.
“O TSE errou nisso. Em um caso concreto, o TSE poderia proibir um candidato específico de publicar alguma coisa, mas não poderia criar uma norma genérica para aplicar a todo e qualquer candidato”, diz.
Hartmann também considera que houve excesso quando, ao determinar que a Jovem Pan concedesse direito de resposta a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o tribunal decidiu que a empresa não poderia usar inserções e manifestações dizendo que Lula mente a respeito de ter sido inocentado pela Justiça.
“Não posso deixar de dizer que manifestações que foram restringidas eram protegidas pela Constituição, e o TSE errou”, diz.
Para a presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB de Minas Gerais, Isabela Damasceno, ao proibir o uso dos termos, o TSE praticou censura prévia.
Estela Aranha, presidente da Comissão de Proteção de Dados do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), afirma que, diante das limitações de recursos, o TSE conteve os principais problemas do pleito.
“A liberdade de expressão no Brasil tem limites, especialmente nos processos eleitorais, porque está em jogo o equilíbrio do processo, a lisura das eleições e os equilíbrios de poder econômico e de poder político.”
Para Aranha, a decisão sobre a Jovem Pan foi correta, pois veio após o descumprimento reiterado a decisões da Justiça Eleitoral. Além disso, ela afirma que a emissora não seguiu os mesmos procedimentos que a imprensa imparcial e não praticava uma cobertura equilibrada.
Em relação à suspensão de perfis, os especialistas afirmam que é preciso analisar caso a caso. No processo envolvendo a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), a leitura é que a decisão de bloqueio veio após o descumprimento reiterado de decisões judiciais e outros casos de ataques ao sistema eleitoral.
Sobre o deputado eleito Nikolas Ferreira (PSL-MG), que teve o perfil suspenso por compartilhar uma live de um canal argentino questionando as urnas, a interpretação da corte também foi considerada adequada.