Pouco antes da histórica condenação de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Alexandre de Moraes — presidente da Corte naquele momento — estava ocupado posando para um ensaio fotográfico digno de campanha política. Com fundo vermelho, iluminação de capa de revista e expressão de poder calculado, Moraes foi clicado pelo fotógrafo Fabio Setti, que não apenas divulgou orgulhosamente os cliques nas redes sociais, como também descreveu o ministro como uma “figura de tamanho imensurável na política brasileira”.
Sim, política. Não como juiz. Não como guardião da Constituição. Como político.
A escolha das palavras e do timing não poderia ser mais reveladora — ou mais simbólica da degradação institucional do país. Enquanto um ex-presidente da República aguardava julgamento por ‘abuso de poder político’, o juiz que presidiria esse julgamento participava de um ensaio estético que, no mínimo, compromete a aparência de imparcialidade que se exige do Judiciário.
Evidentemente, o fotógrafo talvez não tenha se dado conta da gravidade do que escreveu. Ao chamar Moraes de político (duas vezes), apenas escancarou o que muitos já alertavam há anos: o STF deixou de ser um órgão técnico para se tornar um ator político de primeira grandeza, com ministros que transitam entre os palcos do poder com desenvoltura que faria inveja a qualquer líder partidário.
A revista The New Yorker, para quem foi feito o ensaio, prepara uma matéria intitulada “Strongmen”. Se o objetivo era retratar o “homem forte” do Brasil, encontraram. Mas encontraram um juiz que parece não se incomodar em posar como figura de autoridade política, em plena semana de um julgamento decisivo para o futuro democrático do país. A mensagem é clara: força, imagem e narrativa acima da discrição, da contenção e da liturgia do cargo.
Essa normalização do absurdo — ministros que viram celebridades, que discursam fora dos autos, que protagonizam palanques de opinião — é mais um degrau na escada da desinstitucionalização brasileira. Em qualquer democracia séria, a proximidade temporal entre um julgamento histórico e uma autopromoção fotográfica dessa natureza geraria, no mínimo, uma crise de reputação. Aqui, vira “trend”.
Se há ainda alguma dúvida de que o Supremo se transformou num centro de poder político — e não apenas jurídico — basta observar que os próprios ministros já não se dão ao trabalho de esconder. Nem de evitar o flash.
Enquanto isso, a imparcialidade do Judiciário segue sendo um ideal cada vez mais distante. E o Brasil, mais uma vez, aceita o espetáculo como se fosse normal.
