O jornalista Jon Lee Anderson, conhecido mundialmente por sua biografia quase hagiográfica de Che Guevara — o guerrilheiro comunista elevado a “símbolo pop” — agora volta suas atenções para outro personagem com aura de herói entre setores da esquerda: o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Em um perfil publicado nesta semana pela revista New Yorker, Anderson retrata Moraes como o ‘último escudo da democracia brasileira’, em um texto que parece mais interessado em reforçar uma narrativa ideológica do que em oferecer uma análise equilibrada.
A reportagem, baseada em entrevistas concedidas por Moraes ao longo de dois encontros — em outubro de 2023 e março deste ano —, o apresenta como uma espécie de anti-Bolsonaro, um defensor das instituições contra as supostas “ameaças da extrema direita”. O ministro não economiza adjetivos ao descrever seus adversários políticos e parece confortável com a ideia de exercer protagonismo num Judiciário cada vez mais atuante — e politizado.
“A extrema direita quer tomar o poder — não dizendo que é contra a democracia, porque isso não teria apoio popular, mas alegando que as instituições democráticas estão manipuladas”, disse Moraes, ecoando a linguagem de trincheira política mais comum em discursos partidários do que em decisões técnicas de um magistrado da Suprema Corte.
Em sua análise dos atos de 8 de janeiro, Moraes insiste na tese de que houve uma tentativa de golpe organizada para forçar uma intervenção militar. “O verdadeiro objetivo deles era invadir os prédios, se recusar a sair e criar uma crise tão grave que o Exército seria forçado a intervir”, afirmou. O ministro, que também presidiu o Tribunal Superior Eleitoral, se antecipou ao cravar que as condenações de Bolsonaro à inelegibilidade são definitivas e não devem ser revertidas — apesar de ainda estarem no campo de discussão jurídica.
Críticas a Donald Trump também fazem parte do repertório de Moraes, que reforçou seu apelo por uma regulamentação severa das redes sociais, em linha com os discursos que associam liberdade digital a riscos democráticos. “Os governos devem agir rapidamente para regulamentar as redes sociais”, defendeu, em uma posição que levanta alertas para a liberdade de expressão.
O perfil de Anderson, que já demonstrou simpatia por figuras revolucionárias de esquerda, não esconde sua admiração pelo ministro brasileiro, pintando-o como um paladino do Estado de Direito — uma visão que ignora o debate crescente sobre o ativismo judicial no Brasil e os limites do STF diante do princípio da separação entre os Poderes.
Ao transformar Moraes em protagonista de uma “cruzada pela democracia”, Anderson adota o mesmo tom épico que usou com Che Guevara, ignorando as nuances de um cenário em que os excessos institucionais também preocupam — especialmente quando são justificados em nome da “democracia”. A escolha de personagens não é acidental, e a linha narrativa tampouco é neutra: parece haver, de novo, a tentativa de construir heróis ideológicos para tempos turbulentos.
