
Em mais um capítulo da crise silenciosa que atravessa os Correios, a Justiça Federal autorizou a suspensão de serviços prestados à estatal por uma empresa de transportes que cobra uma dívida de R$ 395,9 mil. A decisão foi proferida pela 17ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, que deu um prazo de 15 dias para quitação da dívida sob pena de interrupção legal do contrato. O processo corre em segredo de Justiça, mas já respinga no governo federal, que tenta evitar o desgaste em ano pré-eleitoral.
Enquanto a empresa pública falha em pagar transportadoras, autoridades do governo Lula curtiram no último fim de semana um show de Gilberto Gil bancado pelos próprios Correios, que destinaram R$ 4 milhões ao patrocínio da turnê comemorativa do artista.
A contradição entre a inadimplência operacional e o financiamento de eventos culturais gerou indignação entre fornecedores, especialmente em estados onde os atrasos já comprometem a continuidade dos serviços.
O caso não é isolado. No Acre, uma transportadora informou aos Correios que interromperia suas atividades na terça-feira (16) devido a fatura de R$ 200 mil não quitada. Segundo relatos de empresários, os atrasos nos pagamentos chegam a 60 dias, e os canais de cobrança extrajudicial estão completamente ignorados pela direção da empresa.
“Estamos prestando serviço essencial, em situação precária, enquanto eles investem milhões em shows”, diz o proprietário de uma transportadora que preferiu não se identificar por medo de retaliação contratual.
O contraste com a realidade financeira dos Correios não poderia ser mais evidente. A estatal registrou o maior déficit entre todas as estatais federais em 2024, segundo o próprio governo, mas segue direcionando recursos para ações de “visibilidade institucional”, como o patrocínio à turnê de Gilberto Gil.
O evento, realizado no último sábado, contou com presença de Fernando Haddad, ministros, parlamentares e membros do grupo jurídico Prerrogativas, responsável por apoiar a indicação de Fabiano Silva dos Santos à presidência dos Correios.
A cena dos figurões celebrando a música enquanto transportadoras ameaçam parar entregas por falta de pagamento caiu como uma bomba nos bastidores da Esplanada.
A decisão da Justiça de liberar a interrupção dos serviços terceirizados representa um marco inédito no recente histórico de inadimplência da empresa. A liminar reconhece que o credor buscou “todos os meios possíveis” para receber antes de recorrer à via judicial.
Sem pagamento, não há serviço. E se os Correios não regularizarem a situação com rapidez, o risco é de efeito cascata na cadeia logística – atingindo o consumidor final e piorando ainda mais a reputação da estatal, que já lida com concorrência agressiva do setor privado.
Até o momento, os Correios não comentaram oficialmente nem o calote, nem o patrocínio milionário. O Ministério das Comunicações também não se pronunciou.
No entanto, internamente, há receio de que novas ações judiciais se multipliquem. A insatisfação dos fornecedores, somada à percepção pública de desvio de prioridades, pode transformar um caso jurídico em um escândalo político.
