O Senado deve votar nesta terça-feira (2) o polêmico projeto de lei que pretende transformar em crime o uso de contas falsas nas redes sociais ou de bots sem o conhecimento das plataformas.
Além disso, o texto que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet obriga as plataformas a limitar o número de contas por pessoa e exige que os usuários apresentem sua localização e algum documento de identidade, como CPF ou RG, para criar perfis.
Criada pelos deputados Felipe Rigoni (PSB-ES), Tábata Amaral (PDT-SP) e pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a matéria ficou conhecida como “PL das fake news”.
Após pressão de ativistas de direitos digitais, plataformas e até do governo Bolsonaro, os três apresentaram nesta segunda-feira (1º) uma nova versão do projeto. Este abandonou o foco na moderação de desinformação e passou a mirar as ferramentas usadas para espalhar notícias falsas em redes sociais e aplicativos de mensagem.
A polêmica
Ao obrigar as redes sociais a classificar o que deveria ser considerado como fake news, o projeto foi acusado de podar a liberdade de expressão de seus usuários e de incentivar a censura online.
Representantes de redes sociais afirmaram a Tilt que o texto transforma Facebook, Twitter e companhia na “polícia da internet” (veja abaixo o que elas dizem). Para algumas dessas plataformas, o projeto propõe uma deformação em suas ferramentas.
Este ponto também foi alvo de ataques do entorno de Jair Bolsonaro. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, chegou a afirmar que a intenção era “controlar até o que você posta no WhatsApp”.
Ainda que o projeto tenha mudado de foco, alguns de seus pontos continuam a ser criticados por ativistas de direitos digitais. A reclamação é que a tramitação está sendo feita a toque de caixa, o que impede os debates com a sociedade civil.
“Eu acho um descalabro votar um texto que foi apresentado no dia anterior”, afirma Francisco Brito Cruz, diretor do Internet Lab. “Até agora, a gente não conhece o que vai ser votado amanhã”, afirma Ricardo Gallo, diretor de relações institucionais do Twitter. Fazem a mesma crítica organizações como ITS Rio, Coding Rights e Coalizão Direitos na Rede.
Na última sexta-feira (29), o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) fez eco às críticas e pediu ao Senado e à Câmara que ouça agentes interessados, já que o tema traz “complexidades conceituais e técnicas” e pode ter “graves consequências” sobre “direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e a vedação à censura”.
Empresas de radiodifusão defendem a proposta. Para Marcelo Bechara, membro do conselho da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) e diretor de regulação do Grupo Globo, diz não achar bom o PL, mas afirma que as plataformas devem ser responsabilizadas por seu modelo de negócio promover fake news. Ele aponta até para a possibilidade da desinformação ser promovida.
A desinformação é uma árvore, a gente tem que olhar para a floresta inteira. Liberdade de expressão não é liberdade de viralização, não é liberdade que você paga com impulsionamento
Marcelo Bechara
O que diz o projeto?
O projeto de lei 2630/2020 cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, que altera o Marco Civil da Internet (MCI), a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), o Código de Defesa do Consumidor e a Lei das Eleições.
Segundo o senador Alessandro Vieira, as alterações já foram propostas ao relator da matéria, Ângelo Coronel, que também conduz a CPMI das Fake News e deve aceitar as mudanças.
O projeto proíbe nas redes sociais:
Contas inautênticas: são os perfis criados para se passar por terceiros. Para isso, o PL instiga que os sites requeiram documentos de identidade e a localização dos usuários. Aquelas contas criadas com tom humorístico ou satírico não serão afetadas.
Contas automatizadas e redes de distribuição artificial: são os famosos bots, que substituem seres humanos para distribuir conteúdo em aplicações conectadas.
E obriga que comuniquem:
Conteúdos patrocinados: quaisquer peças publicitárias intermediadas pelas próprias plataformas devem ser indicadas;
Propaganda eleitoral irregular: essas peças devem ser direcionadas para o Ministério Público Eleitoral tomar providências.
O PL altera ainda a lei de organização criminosa (12.850/2013) para enquadrar as pessoas que se organizarem para criar contas inautênticas ou redes de bots não identificados como grupos criminosos.
Também propõe a mudança da lei de lavagem de dinheiro (9.613/1998) para classificar as pessoas por trás desses artifícios tecnológicos como praticantes deste crime ou de ocultação de patrimônio.
Uma versão antiga do projeto colocava as fake news no centro do debate. Tanto que classificava as contas inautênticas também criadas para disseminar desinformação:
Conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia
Inicialmente, o projeto considerava como boas práticas o uso de verificadores de fatos, a rotulagem de conteúdo enganoso, a interrupção imediata de mecanismos de recomendação de conteúdo e o envio de informação verificada para todos os usuários atingidos por uma fake news.
Agora, o texto estipula que o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) crie um grupo multissetorial para elaborar uma proposta legislativa contra informações enganosas. Ele também deverá definir o que é desinformação, além de criar um código de boas práticas para verificadores.
Ainda que a desinformação tenha saído do escopo do texto, os criadores do PL defendem que é a hora de debater o assunto
Mais transparência
O PL continua prevendo que redes sociais sejam mais transparentes e exibam o número de:
conteúdos removidos, promovidos ou suspensos;
total de bots ou redes de bots;
número de conteúdos rotulados;
métricas que possam forneçam comparação histórica e os resultados do Brasil com o de outros países.
A nova versão do PL agora inclui diretrizes de como as redes sociais devem proceder ao remover o conteúdo de algum usuário. Pelo texto, elas devem:
Avisar ao usuário assim que começarem a analisar alguma postagem dele. A notificação deve conter os motivos para a averiguação;
Fornecer por três meses ferramenta para os usuários contestarem a decisão em caso de sanção ou recorrerem caso não tenham a denúncia aceita;
Mostrar o histórico de processos judiciais envolvendo cada conta e limitar o número de perfis para cada usuário.
Rastreio em apps de mensagem
O PL também mudou em relação ao que exige dos aplicativos de mensagem. Antes, o texto também proibia mensagens disparadas em massa. Agora, passou a proibir apenas a comercialização ou uso de ferramentas externas às plataformas para fazer esses envios.
Agora, também exige que a cadeia de encaminhamento (que pessoa encaminhou qual mensagem para a outra) seja guardada por até um ano. O projeto, no entanto, dispensa que o conteúdo seja armazenado também. A ideia é que esse tipo de trilha possa ser requerido por meio de ordem judicial, conforme prevê o Marco Civil da Internet.
O que dizem as empresas
O WhatsApp, a principal plataforma de bate-papo do Brasil, critica fortemente a questão de armazenar a cadeia do encaminhamento de mensagens.
Quando dialogam na plataforma, as pessoas têm uma expectativa de privacidade. Rastrear conversas é uma ideia de rede social que é estranha ao WhatsApp. Se a gente considerasse as bilhões de mensagens enviadas pelo WhatsApp, isso exigiria uma mudança de plataforma. Saber que tem um gravador ali desconfigura um sistema de mensageira privada
Dario Durigan, diretor de políticas para mensagens privadas do Facebook
As representações do Twitter e do Facebook no Brasil também se manifestaram contra o projeto de lei.
O Twitter acredita que o importante e complexo debate sobre políticas de enfrentamento ao tema da desinformação deve ser amplo e cauteloso, permitindo seu amadurecimento e a construção de consensos, para que não haja o risco de resultar em supressão da liberdade de expressão e informação, conforme vêm alertando as principais organizações de defesa de direitos na internet
Twitter
Nos colocamos ao lado de organizações de defesa dos direitos na internet ao apoiar que projetos de lei sejam resultado de amplo debate público, para garantir que não representem ameaça à liberdade de expressão e para evitar que tragam insegurança jurídica ao setor
Facebook
Compartilhamos da preocupação de entidades da sociedade civil, grupos acadêmicos e especialistas sobre a necessidade de um debate público mais amplo e informado a respeito de propostas legislativas que busquem soluções para problemas complexos, como o da desinformação. O Google segue comprometido no combate à desinformação no Brasil, com uma abordagem em várias frentes, oferecendo informações úteis, relevantes e de qualidade para as pessoas, ao mesmo tempo em que atualiza e aplica suas políticas sobre conteúdo e desenvolve ações para apoiar o jornalismo profissional, as organizações de checagem e iniciativas de educação midiática.
Do FolhaPress | Em: 02/06/2020 às 08:46:44