“Um reitor que não tem respaldo será o tempo todo contestado”, afirma o reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Edward Madureira. O comentário é feito após Bolsonaro liberar, por medida provisória, que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, escolha reitores temporários para federais durante a pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
“O que vai acontecer é uma instabilidade muito grande no interior das universidades. Os professores, técnicos e estudantes não se submeterão a essa ingerência. O resultado disso é que a universidade não vai avançar como poderia”, complementa Madueira.
Edward lembra que existe todo um processo de escolha de dirigentes regulado por lei, consolidado há, pelo menos, 35 anos de história. “E, de repente, sob o argumento de uma pandemia, é completamente destruído.” Sobre o funcionamento, ele explica que é realizada uma consulta aos três segmentos (professores, técnicos administrativos e aluno), depois de campanhas e debates, que levam um nome ao conselho, que elabora uma lista tríplice. Daí, vem a seleção.
Democracia
Para Edward, além da autonomia universitária, que é um preceito constitucional, a democracia foi atacada com a MP. “E é perfeitamente possível de ser feito [a escolha tradicional]. A Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) passou por isso em meio à pandemia e a prova maior é que o Congresso consegue operar a Constituição.”
Edward lembra que a UFG só terá as escolhas daqui um ano, porém, ao menos 15 passarão por essa seleção durante a crise pandêmica – algumas, segundo ele, já iniciaram o processo e podem ver a atuação perdida, com a escolha feita pelo ministro. “A democracia fica abalada.”
Ainda de acordo com ele, a Andifes não medirá esforços para tomar as providências cabíveis. Inclusive, eles já estão em contato com parlamentares e juristas. “Estamos avaliando se é o caso de levar ao Supremo, enfim, saber qual o melhor caminho a ser tomado.”
Recursos
Essa ruptura democrática não é o único problema da universidade. O orçamento da UFG, desde 2016, está congelado, ou seja, chega o mesmo valor nominal. O que, segundo Edward, é decrescente, pois todos contratos aumentam. “Fechamos com quase R$ 20 milhões em aberto no último ano, ou seja aproximadamente três meses de contas em aberto.”
Desta forma, o reitor avalia que a instituição vem se equilibrando em um espaço muito pequeno e muito próxima de um colapso, que vai gerar a interrupção de serviços por falta de pagamento. “Mas, sem dúvida, o pior ataque é o da autonomia. A universidade foi forjada na falta de recursos. Sempre tiveram que se desdobrar para garantir os recursos para o funcionamento de pesquisas.”
Ele aponta que, mesmo com todas essas dificuldades, as respostas mais efetivas no enfrentamento à Covid-19 vieram das universidades públicas. “Com sua ciência, solidariedade e criatividade. Desenvolvendo testes rápidos, respiradores, nas linhas de frente nos hospitais universitários e dos IFs (Institutos Federais). Então, por isso ficamos sem entender porque elas [universidades] precisam ser penalizadas e desrespeitadas.”
Por fim, Madureira avalia que os prejuízos da falta de financiamento comprometem todo projeto, mas essa MP vai além. “Um dirigente sem o respaldo da comunidade universitária esgarça todo o tecido. É gravíssimo o que estamos vivendo”, conclui.
MP
O texto da Medida Provisória exclui a necessidade de consulta a professores e estudantes ou formação de uma lista para escolha dos reitores. Em 2019, o governo interveio na nomeação de ao menos 6 reitores, entre as 12 nomeações que haviam sido feitas até agosto daquele ano.
A MP, no entanto, não se aplica às instituições cujo processo tenha sido concluído antes da suspensão das aulas presenciais. Agora, o texto precisa ser aprovado pelo Congresso em até 120 dias para não perder a validade.
Francisco Costa
Do Mais Goiás | Em: 10/06/2020 às 19:22:30