A previsão de uma nova onda de frio intenso nesta semana ameaça tanto plantações quanto o bolso de consumidores no país. É que a temperatura em queda livre, acompanhada de geada, pode causar estragos no campo e, assim, tende a pressionar preços de produtos cultivados em parte do Sul e do Sudeste.
Café, hortaliças e frutas integram a lista de mercadorias que podem ficar mais caras em caso de novos prejuízos nas plantações.
A Metsul Meteorologia informou nesta segunda-feira (26) que o ar polar começa a ingressar no Rio Grande do Sul na terça (27) e deve atingir o Centro-Oeste e o Sudeste na quarta (28). Conforme a previsão, a bolha de ar gelado será responsável por “acentuado resfriamento em diversos estados”.
“O fenômeno aumenta exponencialmente o desafio dos produtores rurais em manter o nível de produtividade no campo e o planejamento de negociação dos alimentos. Culturas como café, milho, cana-de-açúcar, trigo, banana e mandioca podem ser as mais prejudicadas com a chegada dessa frente fria”, aponta nota divulgada nesta segunda-feira pela Faesp (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo).
O pesquisador Felippe Serigati, do centro de estudos FGV Agro, também ressalta que as temperaturas em queda trazem preocupação para o campo. Caso haja perda em lavouras, o impacto certamente chegará aos consumidores, diz o especialista.
“Esse efeito nos preços não chega às prateleiras dos supermercados imediatamente, mas chega. O impacto tende a ser mais rápido naqueles produtos de ciclo mais curto, como hortifrúti”, afirma o pesquisador.
Serigati lembra que plantações de café já foram prejudicadas por geadas neste mês em Minas Gerais. Em meio aos prejuízos, as cotações do produto passaram a subir no mercado internacional. O Brasil é o maior produtor mundial de café
Os contratos futuros do grão arábica avançaram quase 10% nesta segunda-feira, depois de uma alta de quase 20% na semana passada. Com a previsão da nova onda de frio, agricultores mineiros continuam em alerta.
“O cenário é preocupante. Já houve uma geada no dia 20, que atingiu municípios produtores de café em Minas e São Paulo. O alerta segue ligado”, diz Ana Carolina Alves Gomes, analista de Agronegócios do Sistema Faemg (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais).
A entidade ainda contabiliza os estragos da última onda de frio. Segundo a Faemg, também houve registros de perdas em outras lavouras mineiras, incluindo cana, citrus, grãos, pastagem para pecuária, frutas e hortaliças.
Conforme a Metsul, Rio Grande do Sul e Santa Catarina podem enfrentar de seis a sete dias seguidos com mínimas abaixo de 0ºC a partir desta semana. Além da geada, há possibilidade de neve em áreas de maior altitude da região Sul.
A Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), vinculada ao governo catarinense, é uma das instituições que alertam para o risco de prejuízos no campo.
O coordenador de fruticultura da Epagri, Sergio Neres da Veiga, diz que a ocorrência de geada pode causar danos a plantações de frutas que estão em fase mais avançada de brotação, como o pêssego, em Santa Catarina.
“Muitas plantas já estão florescendo. Então, o frio e a geada podem prejudicar”, diz.
Veiga ressalta que o cultivo de hortaliças também pode ser abalado pelas temperaturas em queda. “[A situação] pode impactar os preços, inclusive no curto prazo. Alface e repolho, por exemplo, podem ser queimados pela geada. Isso diminuiria a oferta por uns 15, 20 dias”, ressalta.
No Paraná, as lavouras de milho, já impactadas pelas geadas do último mês, podem sofrer ainda mais com a nova frente fria, reduzindo a expectativa de colheita em até a metade no estado. Como o plantio da cultura já ocorreu com atraso diante da falta de chuva e do retardamento na produção anterior, de soja, o prejuízo deve pesar no bolso do produtor.
“Os preços otimistas do milho fizeram com que o produtor arriscasse, aumentando as áreas de plantio em 7% no estado, mas parte não conseguiu cobertura de seguro, já que estava fora do calendário. E, agora, além da escassez hídrica e de pragas, temos a geada para atravessar”, aponta Salatiel Turra, chefe do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura e do Abastecimento do Paraná.
Assim, a estimativa de colheita de 14 milhões de toneladas do grão deve ser reduzida para até 7 milhões. O impacto na safra também deve chegar ao consumidor final, já que o milho paranaense é destinado principalmente para consumo interno e alimento para animais.
“Houve uma crescente na produção de proteína animal, ninguém esperava o plantio atrasado e essa geada. Então, o preço deve ser puxado para cima e, consequentemente, na prateleira, o consumidor é quem paga”, afirma o produtor Diogo Sezar de Mattia, de São Miguel do Iguaçu, extremo oeste do Paraná. A região é uma das mais impactadas pelas perdas.
O trigo paranaense também tem sofrido com o impacto do clima, segundo Turra, já que, na semana passada, cerca de 9% das plantações ainda estavam em fase de floração, mais suscetíveis a danos com geadas. Ele aponta que o número deve ter crescido nos últimos dias. O impacto pode ser ainda maior sobre essa cultura.
O Rio Grande do Sul não deve ter prejuízo com o milho porque essa colheita já está praticamente finalizada, já que no estado os agriculturores conseguiram plantar a cultura na época correta. A preocupação ocorre sobre parte das lavouras de trigo, caso sejam expostas à geada forte a partir de agosto ou setembro. É que, em julho, essa cultura ainda está em fase vegetativa no estado, o que reduz riscos de danos.
“O frio não é um problema agora”, pontua Alencar Rugeri, diretor técnico da Emater-RS, que acompanha a agricultura gaúcha.
Em Santa Catarina, acostumados com o frio intenso nesta época, produtores também investem nas culturas de inverno, principalmente de cereais. Mesmo assim, como aponta Alexandre Alvadi Di Domenico, presidente da Aprosoja-SC (Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Santa Catarina), as perdas não estão descartadas.
“Com certeza vai ter algum estrago, principalmente sobre trigo, cevada e aveia, mas nada comparado ao Paraná”.
No Centro-Oeste, a Aprosoja-MS diz que as previsões de nova onda de frio não preocupam produtores, porque lavouras de milho já foram impactadas com geadas entre os dias 28 de junho e 1º de julho. A entidade afirma que a produção também foi abalada pela seca.
A estiagem no Brasil já reduziu as perspectivas para várias safras, incluindo café, açúcar e milho segunda safra. A corretora de commodities Marex Spectrum disse nesta segunda-feira que algumas fazendas de cana-de-açúcar no país tiveram até 35% das lavouras danificadas por geadas, embora o impacto geral tenha sido menor. As estimativas para a produção de açúcar do Brasil provavelmente cairão, acrescentou a análise.