O otimismo para a chegada das primeiras pílulas anti-Covid-19 no Brasil se transformou em longa espera. Até agora, nenhum paciente em solo nacional recebeu tais medicamentos fora de estudos clínicos. Apesar de aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as drogas das farmacêuticas Pfizer e MSD seguem em tramitação para inclusão no Sistema Único de Saúde (SUS), mas ainda sem previsão, oficial, para chegar aos hospitais.
A primeira delas, a da Pfizer, chamada Paxlovid, recebeu sinal verde para entrar no SUS em maio, pouco mais de um mês após sua aprovação junto à Anvisa. O prazo para que chegue aos postos e hospitais, de acordo com informações da época, se encerra no mês de novembro. Neste momento, Pfizer e Ministério da Saúde trabalham para chegar, dizem ambos, em um contrato de fornecimento. A farmacêutica afirma que encaminhou ao governo federal sua proposta de acordo e que aguarda a resposta. O Ministério da Saúde se limitou a dizer que “segue em tratativas com o laboratório”.
Recentemente, a pasta da saúde convocou médicos para justamente desenvolver uma orientação de uso do fármaco no país. No encontro, foi dito que havia a previsão de entrega de 100 mil tratamentos. A movimentação foi bem recebida por especialistas que fizeram uma ressalva: é importante que a prescrição do medicamento seja cuidadosa. Isso porque a chance de interação medicamentosa em pacientes que fazem tratamento de outros males crônicos é grande. O problema pode chegar a 50% do público elegível a uso das pílulas, que são os idosos, transplantados e outros pacientes imunossuprimidos.
Nos Estados Unidos, por sua vez, a prescrição da droga está em alta. Saltou de 40 mil tratamentos por semana, em meados de abril, para 160 mil no final de junho, de acordo com dados oficiais compilados pela revista Science. Mesmo o presidente Joe Biden, de 79 anos, diagnosticado na semana passada, fez uso do fármaco, informou a Casa Branca.
Outro país que utiliza fartamente o Paxlovid é a Alemanha. Clemens Wendtner, chefe do departamento de infectologia da Clínica Schwabing, centro de excelência em doenças infecciosas em Munique, afirmou que, no país, o uso do medicamento é bastante facilitado. Basta que um médico prescreva e o infectado terá acesso ao medicamento gratuitamente.
— O Paxlovid tem eficácia reconhecida para pessoas com risco grande de piora, mas há algumas dúvidas em relação ao uso em pacientes jovens, sem indicativo de risco de agravamento da Covid-19 — explicou. — Outro ponto importante é a necessidade de que haja um teste positivo de Covid-19 para a prescrição que deve ocorrer até cinco dias após o primeiro sintoma, o tempo é limitado – disse.
Ele ainda diz que, em sua experiência, há alguns efeitos colaterais relacionados como um gosto “metálico” na boca, além de dores de cabeça e um pouco de náusea.
Produção no brasil
A pílula da MSD de nome Molnupiravir — por outro lado — recebeu sinal vermelho para a entrada no sistema de saúde em uma avaliação inicial da Comissão Nacional de Incorporações de Tecnologias de Saúde (Conitec). O uso do medicamento, após a negativa, foi discutido em uma consulta pública, encerrada na semana passada. Na ocasião, a empresa prestou novos esclarecimentos sobre seu uso e entidades médicas ratificaram seu perfil de segurança e eficiência. Agora, a discussão de uso volta à Conitec. A droga tem um acordo de produção já assinado com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o que permite um respiro importante em termos de oferecimento. No país, o Molnupiravir também é estudado, em fases iniciais, para outras infecções importantes, caso de dengue e chikungunya.
— Temos necessidade de opções terapêuticas. As drogas são primas, mas distantes em seus mecanismos de ação. O Molnupiravir tem um perfil de simplicidade de uso que é o que faz dele a primeira escolha de países como Japão e Austrália, por não haver interação medicamentosa — explica Mario Ferrari, diretor da MSD.
Opção terapêutica, ou linha de tratamento, são palavras repetidas por especialistas em saúde. Isso porque a Covid-19, apesar do avançado estágio da vacinação, ainda faz uma média de 200 mortes por dia no país, de acordo com o consórcio dos veículos de imprensa. Esses pacientes, em geral, poderiam se beneficiar de opções de tratamentos, ao apresentarem, por exemplo, altos índices de imunossupressão ou pela idade avançada — que compromete a resposta adequada às vacinas.
— Há espaço para todos os tratamentos. Mesmo que seja adotando uma das drogas como primeira opção (a da Pfizer) e a segunda para os que não são elegíveis a seu uso (a da MSD) — diz Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).
Salmo Raskin, geneticista à frente do laboratório GenetiKa, em Curitiba, lembra outro problema da demora em adotar as estratégias de cuidado. A possibilidade de que exista uma variante que “escape” ao tratamento.
— Há estudos constantes que mostram que as novas variantes não comprometem a eficiência dessas drogas, mas contar que se manterá assim é esperar mais da sorte do que ter juízo.