Mais de um ano após as investigações condenarem o estudante de medicina Marcos Vitor Pereira, de 22 anos, por estupro de vulnerável contra as duas irmãs e prima, na época com 3, 9 e 13 anos, respectivamente, em Teresina, no Piauí, a polícia ainda tenta descobrir o paradeiro do jovem, que está foragido. Com ajuda psicológica, as vítimas conseguiram retornar à escola e quase não comentam dos crimes que sofreram. Mas, o fato de a criança mais nova alegar ter apenas “uma vaga lembrança” das violações contra ela motivou o Ministério Público do Piauí a pedir na Justiça a absolvição de Marcos Vitor do crime de estupro, alegando falta de provas, conforme relatado por P. B., mãe da menina.
De acordo com P. B., em outubro do ano passado a filha, hoje com 4 anos, prestou depoimento na Delegacia de Proteção à Criança de Teresina e contou como o irmão a assediava dentro de casa. Apesar de o material compor o inquérito da investigação, uma audiência realizada no dia 27 de maio requereu novo depoimento da menina, que já não lembrava mais com precisão dos abusos.
— Em casa nós fazemos de tudo para que as meninas não tenham mais lembrança dos abusos. Já sofremos pela falta de Justiça. Revitimar uma criança de 4 anos, sendo que já tinha a declaração dela na época, é triste demais. Parece que só as vítimas são punidas, enquanto o bandido que abusou delas segue solto. Ele pode estar vitimando outras crianças — afirma P. B., que também estuda medicina.
Em outubro do ano passado, o GLOBO obteve o vídeo em que a criança detalha os abusos. Com um laço de fita rosa gigante nos cabelos e um coelhinho de pelúcia nas mãos, a menina contou que mora com a mãe, o pai e o “maninho”. Quase brincando, ela diz que Marcos Vitor tocava e beijava partes de seu corpo, “aqui (na pepeca) e aqui”, enumerou, apontando para o tórax e para os órgãos genitais. A menina afirmou ainda que o rapaz dava beijos no lugar que ela usa para ir ao banheiro.
A reportagem procurou o MPPI para questionar o pedido de absolvição, mas não obteve resposta. Em nota, o órgão disse apenas que a Promotoria de Justiça que acompanha o caso informou que todas as providências já foram adotadas. Agora, aguarda-se a decisão do Poder Judiciário.
Foragido e acobertado pela família
Após ter a prisão preventiva decretada em 12 de outubro, a Delegacia de Proteção à Criança de Teresina realizou buscas por Marcos Vitor, mas não o encontrou nos possíveis endereços indicados no inquérito. Na época, a Polícia Federal (PF) emitiu alerta para os aeroportos após o estudante de medicina ser considerado foragido.
Procurada para informar sobre as buscas, a PF disse que não se manifesta sobre investigações em andamento. O GLOBO tentou contato por telefone com o advogado do investigado, mas não foi atendido.
A história do possível envolvimento de Marcos Vitor nos crimes começa quando ele vai morar com a ex-madrasta, aos 11 anos, logo após o casamento dela com o pai dele. Durante anos, ele foi considerado um menino exemplar e um estudante dedicado, que saía pouco para baladas e que preferia ficar em casa jogando vídeo-game.
Também estudante de medicina, P.C., mãe da adolescente de 13 anos abusada, irmã da ex-madrasta do acusado, disse que a família de Marcos Vinícius tem defendido ele durante as audiências. Segundo P.C., a mãe, o pai e os avós de Marcos Vitor acusam ela e a irmã de “criarem essas histórias e pedirem para as meninas reproduzirem”.
— Minha irmã que criou ele (Marcos Vitor). Depois que a mãe dele soube o que tinha acontecido, veio atrás dele e começou a dizer que tínhamos mandado as crianças criarem histórias sobre ele. Desconfiamos que ela sabe onde ele está, assim como outras pessoas da família, mas não dizem para defendê-lo. Eu só quero que ele seja punido, apesar de saber que, na maioria dos casos, as vítimas são as punidas — afirma P.C.
A filha da estudante de medicina toma antidepressivo desde os 6 anos. A adolescente, que já tentou suicídio, disse ter sido abusada por ele durante anos. Ao menos entre os 5 e os 10 anos de idade. Foram tantas vezes e tanto trauma, que a jovem não tem certeza, mas acredita que a primeira vez foi durante uma viagem da família ao Uruguai.
Ameaça de morte
Em dezembro do ano passado, P. B. registrou um Boletim de Ocorrência no 11º Distrito Policial de Teresina após receber mensagens com ameaça de morte da avó de Marcos Vitor. A mulher também teria dirigido ofensas à estudante de medicina e aos pais dela, que já são idosos.
— Ela mandou mensagem dizendo que caso acontecesse algo com o neto dela, se ele se matasse ou fosse morto, ela ia tirar a própria vida e a quem está caluniando ele. Nós temos medo porque assim como não desconfiávamos que nossas filhas poderiam sofrer abuso dentro de casa de um homem que eu ajudei a criar, não sabemos como a família dele pode agir para defendê-lo — desabafou P.B.
Como medida para proteger as filhas, de 4 e 10 anos, P.B. estabeleceu um acordo de que o pai das crianças só pode vê-las durante a manhã. Não são permitidas viagens e nem contato com tios, primos e avós paternos.