Uma investigação conduzida pelo jornal Folha de S. Paulo revelou que integrantes da equipe do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitaram de maneira informal a produção de relatórios ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ultrapassando as atribuições do órgão eleitoral. Além do juiz auxiliar Airton Vieira, o policial militar Wellington Macedo, que trabalha no gabinete de Moraes, fez diversos pedidos a Eduardo Tagliaferro, então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE, para investigar ameaças e vazamentos de informações pessoais relacionadas ao ministro e sua família.
Conforme os diálogos de WhatsApp obtidos pelo jornal, Macedo pediu a Tagliaferro que usasse os recursos da AEED para investigar questões que incluíam ameaças enviadas a números de telefone associados a Moraes, o vazamento de dados pessoais do ministro e informações sobre prestadores de serviço na residência do magistrado. Essas solicitações foram feitas sem seguir os procedimentos formais e, em alguns casos, utilizaram informações confidenciais obtidas por meios não oficiais.
Um dos episódios importantes envolve a obtenção de informações sigilosas com a ajuda de um policial civil de São Paulo, cujo envolvimento Tagliaferro sugeriu manter em segredo. Embora a AEED seja um órgão administrativo voltado para questões relacionadas à Justiça Eleitoral, Tagliaferro atendeu aos pedidos de Macedo, utilizando recursos e contatos que excediam as competências do TSE, que não possui autoridade para conduzir investigações criminais.
O material revela um fluxo de informações que ignorou os protocolos oficiais entre o STF e o TSE, transformando o setor de combate à desinformação da Justiça Eleitoral em uma espécie de núcleo alternativo de investigação. Esses relatórios informais foram usados para subsidiar inquéritos do STF, relacionados ou não às eleições de 2022. Em várias ocasiões, os alvos dessas investigações eram escolhidos diretamente por Moraes ou por seus assessores, e os relatórios eram ajustados para satisfazer as necessidades do gabinete do ministro.
A prática de recorrer à AEED para questões de segurança pessoal de Moraes ultrapassou as normas estabelecidas, já que a proteção dos ministros do STF é uma responsabilidade da Secretaria de Segurança do tribunal, que pode solicitar o apoio de outras corporações, como a Polícia Federal, quando necessário. Contudo, Macedo, em vez de seguir esse procedimento, acionou Tagliaferro diretamente para conduzir investigações.
Em uma das mensagens enviadas em agosto de 2022, Macedo perguntou a Tagliaferro se ele ainda estava trabalhando em um “dossiê” e indicou que precisava atualizar o ministro. Tagliaferro respondeu que estava preparando o levantamento dos dados e prometeu entregar o relatório no mesmo dia. Às 21h58, ele enviou um relatório intitulado “Ameaça ministro”, que analisava mensagens de WhatsApp enviadas a familiares de Moraes. O objetivo era identificar a origem de um vazamento de dados pessoais do ministro e de sua família.
Tagliaferro também informou ao PM que utilizava senhas de acesso ao sistema da Segurança Pública de São Paulo, obtidas através de um amigo policial, para acessar essas informações sigilosas. Ele sugeriu que os dados de Moraes fossem tratados com a mesma confidencialidade que os de policiais e recomendou que os números de telefone do ministro e de sua família fossem registrados em nome de terceiros para garantir o anonimato.
Em resposta às revelações, o gabinete de Alexandre de Moraes afirmou que todos os procedimentos foram realizados de forma oficial, regular e devidamente documentados nos inquéritos em curso no STF, com a participação da Procuradoria-Geral da República. Contudo, as mensagens expõem a utilização de métodos informais que podem ser interpretados como inadequados ou até ilegais, especialmente considerando a autonomia e a separação de funções entre o TSE e o STF.
Esses diálogos revelam um ambiente onde procedimentos regulares foram ignorados e decisões foram tomadas com base em investigações conduzidas fora do escopo das atribuições formais do TSE, gerando preocupações sobre a transparência e a legalidade das ações realizadas pelos gabinetes de Moraes e seus assessores.