O governo federal está prestes a finalizar um decreto que estabelece novas regras para o uso da força policial, abrangendo desde a priorização de armas não letais até a imposição de critérios para o repasse de recursos federais aos estados e municípios. A minuta, elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, já foi enviada à Casa Civil e aguarda a apreciação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que recebeu alta médica recentemente.
O texto prevê abordagens mais humanizadas e medidas contra práticas discriminatórias, além de vincular o repasse de fundos, como o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário Nacional, ao cumprimento das diretrizes. Juntos, os fundos somam cerca de R$ 3 bilhões, sendo R$ 2,5 bilhões destinados à segurança pública em 2024.
A minuta recomenda que armas letais, como armas de fogo, só sejam utilizadas em último caso, quando outras medidas, como armas de choque ou cassetetes, forem insuficientes. Entre as diretrizes propostas estão:
Proibição de disparos contra pessoas desarmadas ou em fuga, salvo em situações de risco iminente;
Relatórios detalhados obrigatórios em casos de uso da força que resultem em ferimentos ou mortes;
Vedação ao uso indiscriminado de armas de fogo durante abordagens;
Respeito a critérios de igualdade, evitando discriminação por raça, gênero, orientação sexual ou condição social.
As medidas se aplicam a todas as forças de segurança do país, incluindo policiais militares, civis, federais, rodoviários e guardas municipais.
Embora o governo afirme que o decreto moderniza protocolos de segurança desatualizados há 14 anos, especialistas expressam preocupações. Para Alex Erno Breunig, coronel da reserva da Polícia Militar do Paraná, a padronização nacional das abordagens pode colocar agentes em risco, dada a diversidade de cenários regionais. “Padronizar ações em um país tão diverso é vulnerabilizar a segurança pública. Isso pode agravar situações e expor policiais a riscos desnecessários”, afirma.
Sérgio Leonardo Gomes, especialista em segurança pública, alerta que o decreto pode tornar a atuação policial mais restritiva, elevando as mortes de agentes no combate ao crime organizado e ao tráfico de armas e drogas. “Essas organizações são altamente preparadas para confrontos. Restringir a ação policial sem considerar essa realidade pode ser fatal”, adverte.
Marcelo Almeida, especialista na área, criticou a falta de detalhamento na minuta. “O texto é vago e delega ao Ministério da Justiça a tarefa de especificar normas operacionais. Isso gera insegurança jurídica para os policiais”, destaca.
O decreto prevê que estados e municípios só terão acesso aos recursos dos fundos federais se aderirem às regras. Especialistas avaliam que a vinculação pode ser uma forma de pressionar gestores locais. “O objetivo implícito é obrigar a adoção das normas por meio da dependência financeira. Isso pode significar intervenção indireta na segurança pública dos estados”, observa Breunig.
O tema também gera resistências no Legislativo. O senador Sergio Moro (União-PR), membro da Comissão de Segurança Pública do Senado, acusou o decreto de extrapolar as competências do governo federal. “Não aceitaremos invasão de competências ou restrições ilegais à atuação policial”, afirmou.
O decreto, em elaboração desde o início do ano, inclui ainda a criação de um Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força, que será responsável por acompanhar casos de mortes decorrentes de ações policiais e proteger agentes de segurança. Após sua possível aprovação ainda em 2024, portarias do Ministério da Justiça deverão detalhar pontos específicos, como o uso de algemas e buscas domiciliares.
Apesar das críticas, outros especialistas, como Márcio Berti, consideram as novas diretrizes um avanço. “Regras claras podem ser positivas para padronizar procedimentos e evitar excessos, desde que respeitem as peculiaridades regionais e não comprometam a segurança dos agentes e da população”, conclui.