A desvalorização do real, os crescentes temores fiscais no Brasil e o fortalecimento do dólar com o retorno de Donald Trump à Casa Branca têm acelerado a fuga de capital de investidores brasileiros para os Estados Unidos. Esse fluxo, que já superou US$ 10,6 bilhões até novembro, mais do que o dobro do registrado em 2023, revela uma migração de recursos sem precedentes e que tende a se consolidar como estrutural.
Na corretora Avenue, especializada em investimentos internacionais e sócia do Itaú Unibanco, o volume de transferências cresceu mais de 20% em dezembro, um aumento significativo em relação a novembro, um mês tradicionalmente mais fraco. “Quando a percepção de risco Brasil ficou mais latente para o investidor, houve um movimento em massa de recursos para fora. Provavelmente, vamos fazer um volume 20% a 25% maior em dezembro”, afirmou Roberto Lee, CEO da Avenue, ao Broadcast.
O principal gatilho da fuga de capitais é o cenário fiscal brasileiro. O pacote econômico do governo Lula, considerado insuficiente para conter o crescimento da dívida pública, e a sinalização de um aperto adicional nas condições financeiras internas aumentaram a aversão ao risco entre investidores. O Credit Default Swap (CDS) de 5 anos do Brasil, indicador que mede o risco-país, atingiu 218 pontos, o maior patamar desde março de 2023.
“O ambiente seguro que era o CDI virou o offshore. Isso vale para pessoas físicas, empresas e investidores institucionais. O movimento de recursos para fora é em massa”, explicou Lee.
Mais de 80% dos recursos transferidos para os Estados Unidos pela Avenue foram aplicados em ativos conservadores, como os títulos do Tesouro americano (Treasuries) e bonds corporativos. Esse movimento reflete a busca por segurança no mercado americano em meio à instabilidade brasileira.
Dados do Banco Central reforçam o impacto desse fluxo de capitais. O saldo de investimentos de brasileiros no exterior caminha para superar o recorde histórico de US$ 15,4 bilhões, registrado em 2011.
Além disso, a manutenção de juros elevados pelo Federal Reserve (Fed) e a perspectiva de cortes menores em 2025 tornam os EUA ainda mais atraentes para investidores. “A sinalização de juros altos nos Estados Unidos cria um ambiente favorável para a migração de recursos. E, com o fortalecimento do dólar, o movimento tende a se estruturar”, afirmou Lee.
Segundo o CEO da Avenue, a migração de recursos para fora do Brasil não é apenas conjuntural, mas estrutural. “Mais do que dobramos a custódia de ativos nos Estados Unidos, e se o ritmo atual continuar, podemos triplicar até 2025”, disse.
A parceria com o Itaú, que detém 35% da Avenue e pode assumir o controle da corretora no próximo ano, também impulsiona o movimento. Caso o banco opte por não aumentar sua participação, a Avenue considera abrir capital nos Estados Unidos, com provável listagem na Nasdaq.
“Esse movimento de fuga de capital reflete tanto o cenário interno quanto a maior conscientização do investidor brasileiro sobre a diversificação de seus ativos no exterior. É uma tendência que veio para ficar”, concluiu Lee.
A saída massiva de capital pressiona ainda mais a economia brasileira, limitando a disponibilidade de recursos internos para investimentos e elevando a percepção de risco. Economistas alertam que, sem uma reversão na política fiscal e medidas para atrair capital, o País pode enfrentar desafios ainda maiores no financiamento de sua dívida pública e no crescimento econômico nos próximos anos.