A queda no consumo de energia decorrente das medidas de isolamento social pode levar o setor a ter que lidar novamente com o problema de excedentes contratuais das distribuidoras, situação semelhante à que culminou com o empréstimo bilionário cobrado na conta de luz entre 2014 e 2019.
De acordo com a CCEE (Câmara Comercializadora de Energia Elétrica), o consumo de eletricidade já mostra fortes reflexos do isolamento social. Na segunda (23), caiu 18% tanto às 9h, quando geralmente cresce o consumo de energia, quanto às 14h, quando ocorrem os picos de demanda.
“O aumento do consumo residencial [com o isolamento] não vai compensar a queda da demanda da indústria e do comércio“, diz Lavínia Hollanda, sócia da consultoria Escopo Energia.Os primeiros efeitos já começam a ser sentidos no mercado livre de energia, ambiente onde distribuidores e geradores fecham contratos bilaterais de suprimento e que representa cerca de 30% do consumo de energia no país.
Segundo a agência Reuters, a distribuidora Cemig a e comercializadora Voltener, da Votorantim, anunciaram que podem declarar força maior em contratos. Essa cláusula permite que as empresas reduzam suas compras em casos de eventos fora do controle.
Mas as distribuidoras compram energia também em leilões do governo, em contratos de longo prazo, com base em projeções futuras de demanda. Caso não consigam vender toda a energia contratada e não houver demanda pelas sobras no mercado livre, arcam com o prejuízo. Em 2014, o tombo da atividade econômica gerou esse tipo de problema. Sem receita para honrar seus compromissos, as distribuidoras foram socorridas por três empréstimos mediados pela CCEE, no valor total de R$ 21,2 bilhões.
As prestações foram repassadas à conta de luz por um prazo de cinco anos. Em setembro de 2019, após negociação entre o governo e os credores, houve o pagamento antecipado das parcelas restantes, com uma redução média de 3,62% na conta de luz.
Em reunião nesta terça (24), o diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), André Pepitone, disse que o órgão regulador está ciente do problema e vai discutir uma solução para o setor.Para o advogado José Henrique Berman, sócio do BMA Advogados, o ineditismo da situação deve demandar soluções legislativas para definir como as perdas serão compartilhadas no setor, que pode passar por uma mudança estrutural no perfil de consumo.
Hollanda defende que eventuais soluções emergenciais não representem novos aumentos na conta de luz. “Ninguém quer onerar mais o consumidor. Nem as distribuidoras nem o governo.”
FolhaPress
Do FolhaPress | Em: 25/03/2020 às 13:52:35