Depois de decisão em primeiro grau dada pela juíza 1ª Vara Cível de Valparaíso de Goiás, Letícia Silva Carneiro de Oliveira Ribeiro, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) confirmou a sentença em acórdão e anulou uma confissão de dívida. Trata-se de imbróglio gerado após uma consumidora de Valparaíso firmar acordo com uma construtora, que cobrou à parte do documento original – um contrato mútuo com a Caixa de R$ 100 mil – mais R$ 15 mil da cliente.
Suenilson Saulnier de Pierrelevée e Sá, advogado da parte autora, lembra que trata-se do Programa Minha Casa, Minha Vida, destinado a pessoas com renda até um salário-mínimo e meio. “As pessoas devem para a Caixa, que libera o financiamento, e não para a construtora”, adverte. Em relação a confissão de dívida, ele lembra que existe jurisprudência que entende que a pessoa, quando não tem o valor da entrada, pode fazer este acordo – apesar do banco não permitir –, mas que isto não se enquadra neste caso. “Houve a entrada. A construtora recebeu a confissão de dívida a parte. Eles inventavam que o apartamento custava R$ 115 mil.”
Segundo o advogado, é uma forma de dizer que a avaliação da Caixa não serve. “O contrato matriz da construtora com a Caixa é de R$ 100 mil. Se cobrar mais está burlando”, apontou e continuou: “Se fizer isso, descaracteriza o programa, que é por renda. Em R$ 115 mil, os compradores não se enquadrariam.”
Precedente
Como informado por Suenilson, apesar do Minha Casa, Minha Vida não permitir a confissão de dívida, a jurisprudência entendia ser possível, quando, de fato, o comprador não conseguisse dar a entrada. Isso, porque a dívida era real e a pessoa não era prejudicada.
Porém, com essa decisão do TJGO um novo precedente surgiu, a fim de observar mais atentamente a questão da confissão de dívida – que neste caso foi forçada, segundo o advogado. “Criou-se um precedente no âmbito do Estado, que poderá ser utilizado em todo o País. Se [a construtora] utilizar recurso especial, é possível conseguir o procedente nacional no STJ (Superior Tribunal de Justiça), podendo até se tornar uma súmula.”
Com isso, ele explica, decisões sobre casos semelhantes ganham um entendimento comum. “Quando tem precedente, mesmo que apenas em uma Câmara, acaba abrindo uma porta. Acredito que os próximos julgamentos nessa matéria não terão resultado diferente e vão virar jurisprudência”, afirma otimista, uma vez que possui outros sete clientes do mesmo condomínio.
Inclusive, para ele, a divulgação deste tema é importante, já que muitos passaram por isso. Suenilson diz esperar que estas pessoas procurem seu direito e recebam de volta seus danos sofridos. “Que não paguem uma dívida que não é deles.”
Acórdão
Segundo o relator, juiz substituto em segundo grau Sival Guerra Pires, foi possível verificar nos autos que, o “Contrato de Compra e Venda de Unidade Concluída, Mútuo e Alienação Fiduciária em Garantia – Programa Minha Casa, Minha Vida (…), possui cláusula expressa vedando a celebração de qualquer outro instrumento prevendo pagamento para o imóvel descrito”. E ainda: “Não havendo previsão de saldo a ser pago no momento em que o contrato de financiamento foi assinado, não cabe ao autor quitá-lo, se suficiente o pagamento advindo do financiamento.”
Em dado momento, Sival fala até em fraude. Reforçando o que o advogado da defesa diz sobre o Minha Casa, Minha Vida não permitir valores por fora do contrato, o relator cita uma clásula do programa. “O valor total do preço do imóvel é aquele que consta no item ‘B.4’ e que não houve/haverá celebração de outros instrumentos contratuais que prevejam pagamento/recebimento de quaisquer outros valores, seja em razão de corretagem ou a qualquer outro título, e que o pagamento/recebimento de valores não previstos expressamente neste contrato caracteriza crime de falsidade ideológica e fraude contra as políticas públicas do PMCMV.”
De forma unânime, os integrantes da 4ª Turma Julgadora em sessão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás seguiram o relator. Além disso, a construtora também foi condenada a pagar indenização por danos materiais no importe de todas as parcelas adimplidas até a suspensão. Também houve danos morais de R$ 5 mil.
Francisco Costa
Do Mais Goiás | Em: 08/05/2020 às 17:03:04