O Ministério Público Federal (MPF) no Rio Grande do Sul e o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) abriram investigações para apurar indícios de irregularidades em um contrato entre o Ministério da Saúde e a empresa Topmed Assistência Hospitalar. A empresa foi contratada para fazer o serviço de teleatendimento para o novo coronavírus. As suspeitas são de que o contrato foi superfaturado e de que a empresa não teria condições de atender à demanda contratada.
A Topmed foi a primeira empresa contratada sem licitação pelo Ministério da Saúde após a decretação da situação de emergência por causa do novo coronavírus, em fevereiro. O contrato, no valor de R$ 144 milhões, prevê que a empresa faça ou atenda 6,7 milhões de ligações telefônicas para os serviços de aconselhamento, informações, monitoramento e triagem de casos suspeitos da Covid-19.
O serviço é realizado por profissionais de saúde contratados para trabalhar de forma remota ou presencial em diversas partes do Brasil.
De acordo com representação movida pelo MP-TCU, há indícios de que os valores contratados foram superfaturados. Segundo a representação, o custo por atendimento estava previsto em R$ 5,8, mas ao longo do processo, o preço posteriormente estimado em R$ 21.
Para o procurador responsável pela representação, Marinus Marsico, os indícios de superfaturamento são fortes.
– O que a gente percebeu é que a fixação do preço a ser pago pelo governo ficou a mercê do preço que a empresa ofereceu. Não houve negociação significativa para reduzir o preço. Além disso, não há justificativa para que o preço estimado, que era de R$ 5,8 por atendimento passar para mais de R$ 20 – afirmou o procurador.
No Rio Grande do Sul, o Ministério Público Federal apura uma denúncia de que a empresa contratada não estaria fornecendo os serviços contratados pelo governo.
De acordo com denúncia anônima, duas semanas após o início do serviço, um grande número de funcionários teria sido demitido, o que impediria o atendimento da demanda contratada pelo governo junto à empresa.
O GLOBO localizou a pessoa que fez a denúncia contra empresa. Trata-se de profissional na área de enfermagem. À reportagem, ela deu mais detalhes sobre o que denunciou ao MPF.
– Duas semanas depois de eu começar a trabalhar, fui informada por e-mail do meu desligamento. Comecei a conversar com colegas e chegamos à conclusão de que, no mesmo período, pelo menos umas 300 pessoas tinham sido demitidas também. Eles não deram baixa em nossa carteira de trabalho porque, assim, eles podem mostrar pro governo que estão mantendo um número adequado de atendentes – disse.
– Para receber, a empresa precisa mandar relatórios sobre os totais de ligações que recebemos ou fizemos. Mas com tanta gente a menos, não teria como eles cumprirem o contrato – disse.
O procurador responsável pelo caso, Enrico Rodrigues de Freitas, disse que solicitou informações sobre o contrato junto ao Ministério da Saúde.
– As investigações ainda estão em fase preliminar, mas já solicitei documentos sobre o contrato e sobre a quantidade de pessoas que deveria atuar no serviço ao Ministério da Saúde. Estou aguardando o envio desses documentos para sabermos a direção em que a investigação irá – afirmou o procurador.
Documentos
Documentos que embasaram a contratação da Topmed Assistência obtidos pelo O GLOBO mostram que o ministério optou pela empresa sem ter avaliado propostas de concorrentes, violando recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU). nada.
A equipe do ministério recomendou a contratação da empresa como sendo a única no Brasil capaz de realizar o serviço, mas empresários do setor de teleatendimento ouvidos pelo O GLOBO afirmam que há, pelo menos, outras 10 concorrentes com capacidade técnica e operacional para realizar o mesmo trabalho.
Para evitar prejuízos aos cofres públicos, o TCU recomenda que, mesmo em processos de dispensa de licitação, os órgãos tenham, pelo menos, três cotações do serviço ou material que desejam contratar.
A ideia é que, com as cotações, o governo possa escolher as propostas mais vantajosas. Essa recomendação consta em pelo menos dois manuais editados pelo TCU para orientar gestores públicos a realizarem contratações de forma adequada.
Um dos documentos obtidos pelo GLOBO foi o estudo preliminar realizado pelo ministério apresentando justificativas para a contratação do serviço e para a escolha da empresa fornecedora.
Nele, a equipe técnica da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do ministério faz uma justificativa sobre a necessidade de o governo oferecer o serviço afirmando, entre outras coisas, que um modelo semelhante já estava sendo adotado em Portugal e no Reino Unido.
O documento faz uma recomendação expressa para a contratação da Topmed sob o argumento de que, até aquele momento, nenhuma outra empresa capaz de oferecer o mesmo serviço havia sido encontrada.
“No momento atual, não foi encontrada outra empresa no território nacional que preste serviço de atendimento pré-clínico com um conjunto de algoritmos em formato correlato aos utilizados no Reino Unido e em Portugal e monitoramento à distância posterior”, diz o documento.
Em outro documento, a equipe corrige a informação e afirma que tentou fazer buscas por concorrentes, mas diz que a procura não teve êxito porque o site utilizado não funcionou.
Luciana Laurreti é presidente da AzimuteMed, empresa que atua no serviço de teleatendimento em saúde. A companhia atende clientes como empresas farmacêuticas e operadoras como a SulAmérica e Unimed Seguros. Segundo ela, a alegação de que apenas a Topmed teria condições de executar o contrato não reflete a realidade do mercado.
— No Brasil, há pelo menos 10 empresas capazes de realizar o que foi contratado pelo Ministério da Saúde. São empresas com tecnologia de ponta e algumas que fazem parte de grupos estrangeiros e que realizam o mesmo serviço. É muito estranho que o governo diga que não localizou nenhuma outra — afirmou a executiva.
Fábio Abreu é fundador da Axismed, que também atua no setor de teleatendimento e que hoje pertence ao Grupo Telefónica. Ele concorda com Luciana e diz que o mercado brasileiro teria outras empresas capazes de realizar o mesmo serviço e que poderiam ter sido consultadas pelo governo.
– Em meados de 2011, eu mesmo implementei um sistema com utilização de algoritmos baseado no modelo do Reino Unido. Não entendo porquê o governo afirmou que não há outras empresas no mercado – afirmou o empresário.
O procurador Marinus Marsico afirma que há indícios de direcionamento da contratação.
— As justificativas apresentadas para a não apresentação de ofertas concorrentes e a forma como a contratação ocorreu, a toque de caixa, mostram que há indícios fortes de direcionamento — afirmou o procurador.
Procurada, a Topmed disse desconhecer as investigações em curso no Rio Grande do Sul. Sobre a representação movida pelo Ministério Público junto ao TCU, a empresa ainda não se manifestou ao O GLOBO.
Por meio de nota, o Ministério da Saúde disse que “não recebeu nenhuma notificação do Ministério Público Federal ou do Tribunal de Contas da União sobre os serviços do TeleSUS” e que o TCU e a Controladoria Geral da União (CGU) vêm “realizando o acompanhamento de todas as contratações relacionadas ao enfrentamento da pandemia”.
Do Agência O Globo | Em: 12/05/2020 às 08:37:42