Cotado para assumir o Ministério da Saúde em substituição a Luiz Henrique Mandetta – cuja passagem pelo governo parece ter chegado ao fim -, o deputado federal Osmar Terra defende o fim do que chama de “isolamento radical” por conta do coronavírus no Brasil. Para defender a sua tese, Terra utiliza informações pouco confiáveis e não cita fontes. Chegou-se ao ponto de o Twitter apagar posts dele sobre a pandemia. Veja dez momentos em que Terra disse inverdades.
1- “A quarentena aumentou casos de coronavírus onde foi adotada”
Osmar Terra: “A ideia de fazer quarentena para reduzir a velocidade e ‘achatar’ a curva de aumento de casos, não funcionou em nenhum país do mundo nesta epidemia! Estão submetendo a população a enormes sacrifícios por uma teoria sem resultados práticos!”.
Cientistas explicam que esta análise está equivocada porque os efeitos das medidas de isolamento social não são sentidos no curto prazo, ou seja: nos primeiros dias subsequentes aos decretos com medida restritiva. Para que estes efeitos sejam sentidos, são necessários pelo menos 14 dias – que é o tempo de incubação do vírus. Outro lapso temporal que atrapalha uma análise imediata é a demora entre a aparição dos primeiros sintomas em um paciente e a notificação oficial.
2 – “Brasil vive uma quarentena radical sem sinais do achatamento da curva”
Osmar Terra: “No Brasil, onde estamos sendo submetidos a uma quarentena radical que destrói nossa economia e empregos, eu pergunto: onde está o achatamento da curva??!! NÃO EXISTE. Com a quarentena ou não, chegaremos ao pico da epidemia antes do final de abril! (…) Está na hora dos governadores ouvirem o Presidente e acertarem com ele o fim dessa quarentena sem resultados.”
O primeiro erro cometido por Osmar Terra foi dizer que os brasileiros estão submetidos a uma quarentena radical. Não está. Há uma diferença entre medidas de mitigação do alastramento do vírus e o “lock down”, adotado em países europeus, que suspenderia todas as as atividades do País por, no mínimo, 14 dias. Em Goiânia, por exemplo, o isolamento atinge hoje apenas 56% da população (segundo dados divulgados pelo governo de Goiás na última sexta). Outro erro de Osmar Terra é sugerir que a curva de contaminação está na descendente. A curva achatada para impedir que os casos graves chegassem ao mesmo tempo à rede pública e gerassem um colapso no sistema de saúde.
3 – “A epidemia de H1N1 é a prova de que quarentena é desnecessário”
Osmar Terra: “Eu me baseio em experiência que tive ao comandar o enfrentamento a várias epidemias, com bons resultados, onde nos concentramos em grupos de riscos sem impedir que atividades continuassem”.
A circunstância em que surgiu o H1N1 em 2009 é totalmente diferente da que a atual, em que apareceu o coronavírus. 1) O H1N1 de 2009 era muito parecido ao H1N1 de 1968, ou seja: idosos que foram contaminados naquela época estavam menos vulneráveis. 2) O potencial de contaminação do coronavírus pode chegar a até 6 novas pessoas por contaminado, enquanto o do H1N1 era de 1,3 por pessoa. Com contágio menor, o H1N1 não colapsou a rede de saúde pública.
4 – “O vírus é assintomático em 99% dos casos”
Em um vídeo, o deputado Osmar Terra divulga esta informação, mas não informa a fonte. A Islândia tem um estudo que é referência no assunto. As conclusões a que ele chegou é a de que os casos assintomáticos representam a metade do total, não 99%.
5 – “É preciso contaminar metade da população”
Antes de o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, mudar de opinião a respeito do coronavírus e encará-lo como um inimigo poderoso, a estratégia do governo britânico era apelar para contaminação em massa, ou seja: contaminação em rebanho, para gerar imunização geral. O problema desta estratégia é que era gera sobrecarga na rede pública de saúde.
6 – “O Imperial College está errado”
Osmar Terra: “O conceito de achatamento da curva está errado. O Imperial College errou. Previu milhões de mortos que não aconteceram. Não vai acontecer. O calculo está errado”.
O deputado distorce o objetivo e os resultados da pesquisa realizada pelo Imperial College. O que o instituto fez foi partir de cálculos de letalidade do vírus em diferentes países e projetar o número potencial de vítimas, caso medidas restritivas não fossem tomadas. Felizmente, várias ações reativas foram implementadas.
7 – “A Itália já chegou ao final da pandemia, e Brasil chegará em junho”
Osmar Terra: “No final de abril termina a epidemia na Itália. No Brasil termina em maio. Em junho, não terá mais epidemia no Brasil”.
Quais dados e estudos levam Osmar Terra a crer que o Brasil terá chegado ao fim da epidemia em junho? Ele não diz. Esta teoria não condiz o que está acontecendo em países asiáticos, por exemplo, que já se preparam para uma segunda onda de contaminação. Sobre a Itália: o governo italiano de fato acredita que a curva de contaminação cairá nas próximas semanas, mas não houve afrouxamento de nenhuma medida restritiva por causa disso.
8 – “Suécia só isolou grupo de risco e já atingiu o pico de casos”
“Olha a Suécia, a Suécia está começando a cair [a curva de novos casos]”, diz o ministro no vídeo que em afirma que o país tem 5568 casos e 390 mortes, segundo dados de 3 de abril.
Neste domingo, a Suécia foi obrigada a recuar no afrouxamento de medidas restritivas que haviam sido decretadas por causa do coronavírus. O país atingiu 401 mortos e o número continua a crescer. São 6.830 pessoas infectadas, mas o governo reconhece que este número é muito maior, por causa do atraso na conclusão de testes positivo/negativo.
9 – “Oxford mostra que metade do Reino Unido está contaminado, logo, a quarentena não adianta”
Osmar Terra: “No Reino Unido metade da população está contaminada. Oxford mostra isso. Já está chegando no efeito rebanho e começa a cair. Não é com a quarentena que estão fazendo isso. Depois que fizeram quarentena, subiu mais ainda [o volume de casos] e a curva do Reino Unido não está achatada.”
O estudo de Oxford a que Terra se refere carece de confirmação definitiva. Nem os seus autores dizem que a quarentena é inócua. O que a pesquisa fez foi “supor” qual o comportamento do coronavírus, para levantar a tese de que ele já contaminou, silenciosamente, boa parte da população no primeiro mês em que chegou ao Reino Unido. Com base nessa suposição, os pesquisadores apontam necessidade de fazer testes em massa nas próximas semanas, para descobrir se a população adquiriu a imunidade de rebanho aventada. Uma das autoras do estudo “reluta em criticar o governo [do Reino Unido] por decretar uma quarentena nacional a fim de conter a difusão do vírus, porque a precisão do modelo de Oxford ainda não foi confirmada e, mesmo que ele esteja correto, o distanciamento social reduzirá o número de pessoas que adoecerão seriamente e aliviará a pressão severa sobre o Serviço Nacional de Saúde”.
10 – “Coreia do Sul não fez quarentena forçada”
“O que a Coreia fez foi muito simples, isolou os grupos de risco e testou em massa. Não fechou nem fez quarentena forçada de ninguém”
Errado. A Coreia adotou medidas mais duras do que o Brasil, e de forma ainda mais precoce. Os coreanos submeteram-se a uma política acirrada de identificação, isolamento e vigilância dos casos de coronavírus que entraram por aeroportos. Para aqueles que puderam continuar transitando nas ruas, a recomendação foi de uso de máscaras. As pessoas também recebem mensagens no celular diariamente, com os dados do monitoramento do vírus por geolocalização, e sabem quando e onde estarão mais expostos à doença. Os transportes públicos também passam por higienização constante. Ao contrário do que o ministro faz parecer, os coreanos não seguiram a vida normalmente, como se não houvesse vírus por aí. A rotina de contenção sanitária é intensa. Desde o dia 21 de março, para conter a ameaça de uma segunda onda, a Coreia do Sul também fechou “instalações de alto risco” e proibiu reuniões religiosas, esportivas e de entretenimento.
Do Mais Goiás | Em: 06/04/2020 às 17:15:38